Nazza Stencil, ou Nazza, é um artista de La Matanza, Buenos Aires. Seu trabalho é a realização estética de suas ideias políticas, um ataque as desigualdades contemporâneas e históricas. Vendendo-se como um “artifício” que utiliza a arte como ferramenta, toda e qualquer intervenção de Nazza aborda uma questão específica, desdobrando-a em um nível artístico e traçando-a para o coração da esfera pública. Suas obras não só aparecem no Centro da cidade, mas também nas periferias, como seu bairro natal de La Matanza.
“Meu interesse em pintar na rua com estêncil, faz muito tempo. Meus primeiros stencils foram sobre times de futebol e bandas de música, mas há 15 anos dou forma ao que faço, trabalhando mais com as imagens e conceitos. Dou mais importância ao que quero contar com o passar do tempo, estou interessado nas coisas que expressam, que contam, que fazem as pessoas sentirem” contou.
Pintando na rua desde 1994, a entrada de Nazza no mundo dos stencils começou na escola técnica e não do Street Art. O stencil foi apresentado como uma técnica eficiente e econômica para a reprodução de imagens e tipografia. Suas composições se concentraram em temas como o Desaparecido Argentino (os estimados 30.000 desaparecidos durante a última ditadura militar), as Avós e Mães da Praça de Maio (a associação de mulheres cujos filhos e netos desapareceram durante esse mesmo período), e a silenciosa destruição das culturas e povos indígenas da Argentina. Cada uma de suas intervenções aborda uma questão específica, desenvolvendo-a em um nível artístico com o objetivo de inseri-la na esfera pública. Mesmo com trabalhos tão incríveis, Nazza não se considera um artista, mas respeita as pessoas que o veem como tal, e enxergam seu trabalho como arte. Pois segundo ele, a arte é algo complexo e muito interessante e difícil de ser entendido. “Aprendi com um amigo da Venezuela que somos “artífeces”. Usamos ferramentas de diferentes disciplinas, tais como: comunicação, gráficos, sistemas de impressão, pintura, etc. E com isso nos comunicamos” disse.
Assim como muitos artistas, viver das suas criações é muito difícil, pois a necessidade de vender uma maior quantidade de stencils torna o processo de criação menos autêntico, com seu conteúdo perde a força. A maneira que encontrou para desfrutar do que faz, é tentar olhar para outras alternativas para sobreviver, ainda que assim mantendo a essência do seu trabalho o mais cuidadosamente possível. “É muito difícil viver exclusivamente da arte, especialmente na América Latina, onde a sociedade não está acostumada a consumir arte, coisa altamente valorizada nos países europeus e nos Estados Unidos. Uma maneira de refúgio nesses tempos de crise econômica é dizer algo novo. Construa, desconstrua”.
Técnica e Estilo
Nazza sempre teve interesse em desenho, mas não era o melhor no realismo. Assim explorou outras técnicas de reprodução, como o trabalho com fotos, síntese e stencil. Em seguida, procurou entender outras técnicas mais complexas, tais como tramas, (meio-tom, semítonos, halftone). Para ele isso fez a diferença: “Isso fez do meu trabalho um aspecto especial e diferente, é a parte técnica e formal. A parte conceitual e mais importante do meu trabalho é minha principal inspiração: o outro, as pessoas, a realidade, o contexto. O que ajuda muito o meu trabalho é a leitura , especialmente três autores, dois uruguaios como Eduardo Galeano, Mario Benedetti, e o argentino Osvaldo Bayer, na minha época de estudante me inspirei no trabalho de Oscar Niemeyer”.
O principal tema do seu trabalho é voltado aos direitos humanos, principalmente a ditadura militar na América Latina, pessoas sequestradas e desaparecidas, povos nativos, os índios das Américas, também causas sociais. “Trabalhando com os ignorados, os fantasmas de nossas sociedades que são consideradas números e não pessoas, estou interessado em desenvolver trabalhos com um significado atual”.
A técnica usada por ele é o stencil, suas características lhe deu um espaço amplo para a imaginação. “Se eu quiser pensar de forma rígida ela pode ser limitante, mas permitiu que eu pudesse trabalhar sozinho, coletivamente ou colaborativamente, isto é, me deu muitas possibilidades e estou sempre descobrindo outras possibilidades”.
A maior dificuldade nessa técnica é o tempo de certos processos na sua realização, mas isso não limita Nazza. Ele gosta do trabalho, que demanda muita dedicação e tempo. “Nem sempre as pessoas entendem os processos, mas considero essa fase uma reunião de trabalho, nessa fase desenvolvo o sentido que quero dar àquilo que estou doando meu tempo. E o meu tempo é muito importante, o tempo é a vida”.
Nazza não tem uma rotina de trabalho, é muito diferente de um método de fabricação. Produz conforme as coisas acontecem, muitas vezes essa é a principal força motriz para o seu trabalho. “Eu gosto de estar em constante processo de descoberta, passar por outras formas de representar o que faço, estar disposto a me surpreender no processo de fazer. Aprecio meus erros, neles descobro muito mais coisas para crescer do que quando meu trabalho é perfeito” afirmou.
Seus primeiros trabalhos na rua seguiram um padrão instintivo, no entanto, logo desenvolveu estilos próprios de enquadramento, que visa superar a técnica em sua busca pela expressão individual, tomando posição em causas das quais acredita e defende. Influenciado mais por autores do que por artistas da época. Nunca se esquivando de uma briga, Nazza persevera com o contrato que ele fez consigo mesmo, defende os direitos daqueles sem eles, usando sua voz para expressar a situação do homem comum, no igualmente comum espaço das muralhas da cidade. “Se a inspiração chega, que me encontre trabalhando, um grande artista disse”.
Na hora de produzir gosta de se conectar com o ambiente, o contexto com o qual estou interagindo. Diferente de muitos artistas, quando pinta na rua ele não ouve música, pois tira a possibilidade de interagir com o outro. Mas quando tem seu processo de criação interior é comum ouvir músicas. “A música é um lugar infinito de exploração, que nada falta. Uma das minhas bandas preferidas é Ratos do Porão, mas ouço até funk carioca”.
A ligação de Nazza com o Brasil não se limita a música, ele considera o país sua segunda casa, tem muitos amigos que admira e gosta aqui, alguns compartilhando ideias e fazendo colaborações em obras. Participou de oficinas em favelas do Rio de Janeiro, pintou em bairros com a população local. Em toda a América Latina tenho pessoas que admiro o trabalho. “Tenho amigos em Venezuela, Colômbia, Uruguai, México, Peru, Bolívia, Equador…etc, especialmente na América. Tenho a sorte de ser amigo de muitos”.
Pintar na rua é a forma mais democrática de arte para Nazza. Pois segundo ele, todos fazem parte do que você diz, e alguém interage com isso de forma passiva ou ativa. Nazza já pensou em ser muitas coisas, mas decidiu fazer o que mais gosta. Escolheu para si viver a profissão que lhe dá liberdade de ser quem é, e onde pode lutar pelo que acredita.
“Diga que eu existo, diga que o outro existe … O que eu pinto me descreve. Eu já não pinto, o que eu pinto, isso me pinta. É por isso que não estou interessado em colocar fotos minhas nas minhas obras, meu trabalho conta o que eu quero contar e lá estou eu, é a melhor maneira de mostrar quem sou, e muito mais interessante quando alguém reflete com uma pintura, isso é muito” disse.
Como é de costume, pedimos que o artista deixasse um recado para nosso leitores:
“Obrigado à todos que leram a entrevista. Que os conceitos superem as técnicas que as coisas expressam, e se expressam a liberdade é muito melhor!”
Fonte das fotos : arquivo pessoal Instagram/Facebook